O CLIPPER NÃO É UM COMPRESSOR
- Fabio Henriques
- 3 de jun. de 2022
- 5 min de leitura

Ultimamente tenho observado o uso dos chamados Clippers como recurso artístico em cada vez mais mixagens. Como de tempos em tempos um processador entra no foco e vira o “melhoraizer” da vez, vamos dar uma olhada exatamente no que o Clipper faz e analisar as desvantagens e vantagens em seu uso.
Já de cara eu preciso deixar claro que não considero “errado” usar qualquer processamento, desde que se saiba o que se está fazendo, porque sempre se ganha e se perde. Quando o lado que ganha compensa, por que não usar?
Tecnicamente, o que é um compressor?
Uma definição seca (e pobre) de um compressor é : Um dispositivo que altera a faixa dinâmica. Ela é pobre porque se levarmos apenas isso em conta, um fader também seria um compressor, quando automatizado pelo mixador.
Para que um compressor seja reconhecido como tal, considero que ele tenha três características:
(1) – Um modo de reconhecer o volume de um sinal ;
(2) – Um modo de decidir como responder a esse volume;
(3) – Um modo de alterar o ganho do sinal que vai para a saída.
O item 1 seria a detecção do threshold, o 3 o controle do ganho do sinal (normalmente via um tipo de VCA), e o 2 é o circuito que envolve tempos para responder às variações no sinal de entrada – estamos falando aqui de detecção de pico x RMS e principalmente de attack e release.
Se o dispositivo não possuir esses três elementos, não considero que se possa enquadrar na categoria de compressor. Lembrando que por essa definição, os Limiters, Levellers e Expansores se enquandram lindamente.
Mas Um Saturador Não Comprime?
Sem dúvida. Alguns processadores respondem de modo não linear ao áudio , e como resultado podem fazer com que o sinal de saída tenha uma faixa dinâmica alterada. Ou seja, um processador pode comprimir, mas isso não faz dele um Compressor.
Essa distinção, embora pareça pouco importante, é necessária para que as coisas tenham os nomes/funções apropriados. Por exemplo, todo compressor – digital e analógico - distorce (justamente pelo processamento não-linear) . Isso não faz dele um Distorcedor. O que vale pra um lado, vale pro outro.
O que exatamente faz um Clipper ?
Para entender o Clipper, primeiro, vamos ver a curva característica de um circuito que não faz nada, um pedaço de fio, por exemplo. Nesse caso temos uma reta com inclinação de 45 graus. O que entra é extamente igual ao que sai. É o que um compressor com ratio 1:1 faria.
Quando ele está usando uma ratio entre 0:1 e 1 :1 , a reta fica com ângulo maior, e se a ratio é maior que 1:1, a reta fica com ângulo menor, até que com ratio de infinito:1 , ela fica horizontal.
No caso do clipper mais radical, nós elegemos um valor a partir do qual o ganho na saída fica fixo para qualquer valor de entrada acima dele. A reta se “quebra” e fica horizontal.
Dessa forma , o nível da entrada pode aumentar o quanto quiser, que a saída permanecerá no mesmo valor. O resultado disso é que se entramos com uma senoide, temos suas “cabeças cortadas” e isso é uma mudança nada sutil na forma de onda.


O lado útil disso é que podemos aumentar o volume geral do sinal na entrada, sabendo que seus valores de pico não vão aumentar na saída. Com isso, podemos atingir valores de LUFS bem mais altos. Uma maravilha, certo?
Mas, como a Lei Fundamental do Universo estabelece, “Não Existe Almoço Grátis”. Isso tem um custo, e o custo é alta distorção. Para segurar os picos e aumentar o volume nós alteramos significativamente o conteúdo harmônico do sinal.

Olhando por outro lado, imagine que fomos extremamente cuidadosos na escolha dos timbres e dos equilíbrios entre eles em nossa mix. Temos um som que estamos considerando “perfeito”. Ao usar um Clipper estamos garantindo que esse som está sendo alterado através de distorção, e talvez ele deixe de ser “perfeito”.
OBS: Como se vê na figura acima, uma distorção tão intensa acaba trazendo consigo bastante aliasing também, o que pode ser bem diminuído se o clipper possuir o recurso de oversampling.
Isso não invalida o fato de que esse resultado pode ter deixado o som melhor, ou mais dentro de um conceito que se desejava. E como sempre é o resultado que importa. Acho um pouco imprevisível demais para meu gosto, mas é totalmente válido como ferramenta artística.
Mas ainda assim é extremamente importante que a gente saiba o que está fazendo e o preço que se paga ao usar um clipper , que é distorção , na maioria das vezes bem audível.
Mas e o Soft Clipping?
O Soft Clipping já indica que se o clipping fosse bom, não precisava do Soft 😊 . Brincadeiras à parte, é um modo de simular melhor o que acontece bastante em circuitos eletrônicos quando eles não conseguem responder devidamente a uma entrada alta demais.
Uma das coisas que faz um circuito saturar é o fato de que a fonte de alimentação não tem capacidade infinita. Chega um momento em que ela não consegue mais entregar a energia que seria necessária para dar esse ganho no sinal. Aí a amplitude que vinha crescendo simplesmente para de crescer. Nesses casos, normalmente o “corte das cabeças” não é tão radical. Existe um arredondamento dessas partes ceifadas, como abaixo:

Além desse caso, o próprio dispositivo que está sendo usado para fazer a amplificação – válvula, FET, transistor etc é quem deixa de se comportar linearmente e começa a distorcer a forma de onda , agora por ter entrado em seu ponto de saturação – o seu próprio limite físico de lidar com aumentos de corrente/tensão.
Nesses casos o arredondamento costuma até ser um pouco maior, dependendo de um monte de fatores.
Como vantagem do soft clipping, temos menos distorção, mas agora não temos controle tão absoluto sobre o nível de saída, e talvez não consigamos elevar tanto o loudness (ou os LUFS).

É uma questão de balancear, ganho em loudness x distorção que muda o som do que vínhamos fazendo nessa mix.
E por que o Clipper mesmo assim não é um compressor?
Porque faltam os elementos de tempo. O circuito não calcula o nível médio, nem dispõe de tempos de attack e release, e eles estão lá no compressor sempre, mesmo que o usuário não possa mexer neles. São eles que diminuem a distorção de um compressor (que sempre acontece) a níveis mais, digamos, aceitáveis.
O nível que está na entrada é instantaneamente mandado para a saída, com o ganho devidamente alterado, sem maior processamento.
Se a gente fosse rapidamente escrever um programa para um clipper digital bem simples, ele caberia em apenas uma linha de pseudo-código:
SE NÍVEL_DE_ENTRADA > TETO ENTÃO NÍVEL_DE_SAÍDA = TETO;
Talvez seja o programa de DSP mais simples do mundo. Quem dera um compressor fosse tão simples 😊 .
Mas por que quando uso o clipper não ouço essa distorção toda?
Existe aqui um ponto muito importante: Se você usa um clipper para atuar apenas em picos eventuais (que não acontecem muitas vezes), e que possuem curta duração, essa distorção toda também só acontece nesses momentos de curta duração, e podem acabar sendo muito pouco percebidas. Porém essa condição é be difícil de prever e/ou controlar. Nosso ouvido é que se encarrega de avaliar.
Resumindo
Como vimos, um Clipper pode ser interpretado como um processador que controla “na marra” o nível de saída, sem se importar muito com a distorção provocada. Ele é super eficiente nesse controle, mas gera um sinal bem diferente do que entrou.
Isso pode ser péssimo ou ótimo. Só depende do que a gente desejava como resultado, e obviamente da intensidade com que se usa.
Se existem alternativas menos drásticas? Certamente os limiters, quando bem usados podem entregar praticamente o mesmo controle com bem menos distorção, mas eu acredito que se a gente exerce um controle eficiente de volume em todos os canais da mix, via compressores, limiters e automação de volume, a necessidade de um clipper lá no final acaba diminuindo bastante. Por outro lado, como uma última solução para uma master que precisava de harmônicos altos, de loudness, ou de uma coloração de distorção, um clipper pode ser uma boa opção.
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